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O relato da dor e da beleza de quem esteve no ato pelo fim da cultura do estupro

Este é um texto de alguém que participou da manifestação e não apenas acompanhou de fora.

Por Isabella Otto Atualizado em 24 ago 2016, 13h40 - Publicado em 2 jun 2016, 14h00
O dia 1º de junho foi marcado por uma série de protestos contra a cultura do estupro que aconteceu em todo o Brasil. O ato Por Todas Elas reuniu as mais diferentes mulheres que, juntas, lutavam pela mesma coisa: o machismo que, infelizmente, ainda mata muita gente no mundo. E quando você escuta a palavra protesto, ato, manifestação, qual é a primeira imagem que surge na sua cabeça? Se for a de tragédia, sofrimento e injustiça, talvez este texto mude um pouco o seu modo de pensar. 
 
 
Eu, Isabella, repórter, mulher, estive no ato. Foi a minha primeira vez em uma manifestação. Eu estava lá a trabalho, mas também estava lá porque acreditava na causa. Queria interagir com as pessoas, conhecer histórias, fazer amigas e rever outras antigas amizades. A minha primeira atitude, porém, foi a de reconhecer o campo. Eu estava em um ambiente novo e, confesso, estava sentindo um pouco de medo. A minha ideia de manifestação era justamente aquela que vemos na internet e na televisão: caos, correria, pessoas sendo espancadas, gás de pimenta, confronto armado. E, quando avistei a PM chegando de mansinho, não me senti mais protegida. Muito pelo contrário. Mas continuei lá, firme e forte, tentando me enturmar.
 
De repente eu avistei uma mãe com sua filha adolescente. Ambas estavam usando camisetas que diziam que a culpa do estupro é unicamente do estuprador. Depois eu avistei uma rodinha no chão repleta de crianças, que ajudavam suas mães a escrever cartazes com tinta colorida. Foi só eu olhar mais para cima para ver uma mãe carregando o seu bebê enquanto gritava marchas feministas de apoio às vítimas de abuso sexual. Em um curto espaço de tempo, eu vi mães, avós, tias, primas, filhas, irmãs, casadas, solteiras, garotas acompanhadas de namorados e namoradas, coletivos feministas e meninas que estavam tendo o seu primeiro contato com o movimento. Eu vi tanta gente!
 
 
A concentração no vão do MASP, na Avenida Paulista, em São Paulo, durou mais ou menos uma hora. Aos poucos, o grupo foi se encaminhando para a rua para começar a caminhar em direção à Augusta. Um dado técnico agora: toda manifestação tem uma linha de frente, que lidera e controla o caminhar da multidão. Na linha de frente da Por Todas Elas, havia duas mulheres com filhos de colo. Duas mulheres lindas, com rostos pintados, gritando por seus direitos. Achei aquilo lindo! Foi aí que me explicaram que, na verdade, colocaram essas duas pessoas na frente para evitar possíveis confrontos com a polícia, pois ninguém atacaria mães e bebês. Muitos, depois de saber disso, podem mudar de ideia e achar que toda essa história é, na realidade, bastante triste e assustadora. Afinal, se o princípio da democracia diz que todo cidadão tem direito à liberdade de expressão, não deveria ser preciso arriscar a vida de duas mães para evitar tragédias. Mas eu prefiro não enxergar dessa forma. Eu gosto de pensar que, apesar de tudo, essas duas mulheres estavam lá, amamentando em plena Avenida enquanto se solidarizavam e lutavam por cada mulher que é estuprada a cada onze minutos no Brasil
 
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Tem uma música, chamada 1º de Julho, que o Legião Urbana escreveu para a Cássia Eller e diz assim: “Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher Sou minha mãe e minha filha. Minha irmã, minha menina. Mas sou minha, só minha, e não de quem quiser”. Havia tantas Cássias, Beatrizes, Isabellas e Marias na manifestação. Havia beleza em cada jogral e em cada grito de guerra. Havia beleza em cada rosto pintado com tinta, em cada cartaz e em cada manifestação individual. Havia beleza na multidão de cinco mil pessoas (estimativa feita pelos organizadores) contra 1, 2, 3… 33. Havia beleza e não apenas caos, depredação, confronto armado, bombas, gás, confusão. Talvez se mais pessoas conhecessem esse lado da história, que pode não dar tanta audiência, mas que é real, as manifestações e as pessoas que participam delas não fossem tão estereotipadas. 
 
Sou fera, sou bicho, sou anjo, sou mulher. Sou Cassia, sou Beatriz, sou Isabella, sou (insira seu nome aqui). Mas sou minha, só minha, e não de quem quiser.
 
VEJA MAIS FOTOS DA MANIFESTAÇÃO POR TODAS ELAS EM SÃO PAULO:
 
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