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Não há mais espaço para publicidades com brancos “salvadores” de negros

Colocar o negro como "pobre" é uma forma de reproduzir o racismo estrutural, sim!

Por Ana Carolina Pinheiro Atualizado em 8 dez 2018, 11h57 - Publicado em 8 dez 2018, 10h01

O clima de final de ano pode inspirar as pessoas a ajudarem o próximo e serem mais caridosas, atitudes importantes e que precisam acontecer durante todo ano. A marca de alimentos Perdigão entrou nesse clima de solidariedade e fez a seguinte ação: a cada chester vendido pela empresa, outro será doado para uma família que não tem condições de comprar. Uma ação muito boa e que realmente deve ajudar muitas famílias carentes.

Porém, a campanha publicitária da marca que divulga a iniciativa não foi das melhores. A primeira cena mostra a noite de natal dos Silva, representada em maioria por atores negros, que no caso, seria a família necessitada. No comercial, a mãe agradece por ter uma ceia que eles só imaginavam e completa “graças a você”. Em seguida, aparecem os Oliveiras, família que doou o chester, representada majoritariamente por atores brancos.

Os dois grupos que aparecem na propaganda têm pessoas negras e brancas. Mas, levando em conta os atores que são porta-vozes das famílias e a proporção de cada etnia nelas, dá para falar, sim, que a família “carente” é a negra, já a “generosa” é a branca. Isso é uma novidade ou algo irreal? Não. Então, por que a campanha pegou mal? Porque reforçou um (pré-)conceito em relação aos negros, que na maioria das vezes já são inferiorizados.

https://twitter.com/laressa/status/1067926048753532929

O problema dessa história, e de outros tantos comerciais e produções midiáticas, é generalizar as coisas. Ou seja, reforçar uma falsa ideia de que o negro nunca pode estar em situação de destaque e que, para sair daquela situação, precisa da “salvação” do homem branco. Você já imaginou uma campanha colocando a mulher como uma pessoa frágil e sem capacidade para fazer alguma coisa e vem um homem e resolve pra ela? Isso não reforçaria ainda mais uma estigma em relação ao gênero feminino? Então, para nós, negros, uma propaganda como essa também reproduz preconceito.

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Agora, pense na quantidade de pessoas que vão assistir a esse comercial. Do mesmo jeito que a campanha deve incentivá-las a serem mais generosas, o que é realmente muito bom, ela também vai contribuir com a formação de atitudes racistas, nem sempre percebidas. Um exemplo de como essa ideia racista aparece na prática é quando um cliente negro é perseguido por um segurança dentro da loja ou não é bem atendido por “acharem” que ele não tem condição de pagar. Ou seja, os desdobramentos de uma propaganda racistas são reais e preocupantes.

Reprodução/Reprodução

Em nota, a empresa declara que a intenção não era de ofender ninguém: “a Perdigão lamenta que a campanha publicitária de Natal tenha ofendido qualquer um de nossos consumidores. Nunca foi essa a nossa intenção. Falar de generosidade é, para nós, uma forma de união e agradecimento a todos os nossos consumidores, que há três anos colaboram para o Natal de mais de 6 milhões de pessoas, independente de cor, gênero, raça ou religião. É nisso que acreditamos”.

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