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Melody e a geração de meninas adultificadas e sexualizadas

De que forma as redes sociais contribuem para o desaparecimento da infância?

Por Isabella Otto Atualizado em 16 jan 2019, 17h01 - Publicado em 16 jan 2019, 10h39

Com quantos anos você começou a usar maquiagem? Ou deu o seu primeiro beijo? Ou colocou salto alto para ir a uma festa? Não dá para comparar realidades e vivências, mas é possível dizer que as redes sociais causaram um impacto semelhante na Geração Z, aquela a qual os jovens nascidos após o ano 2000 fazem parte: o desaparecimento da infância. Não é só muito comum ver crianças trocando interações em grupo para brincarem sozinhas em tablets e smartphones, mas também é frequente que meninas tentem parecer mais velhas nas redes sociais, seguindo tendências que não condizem com suas respectivas faixas etárias, em busca de likes, de aprovação.

Essa foi a sequência de imagens que chocou a internet. Instagram/@melodyoficial3/Reprodução

Um exemplo claro disso são as fotos postadas no dia 7 de julho pela MC Melody no Instagram. De cropped, sutiã com bojo, cabelo platinado até a cintura e maquiagem carregada, a cantora mirim chocou muitos internautas, que começaram a se perguntas quantos anos tinham dormido para acordar com um Melody maior de idade. “MC Melody vai estrelar o remake de De repente 30” e “já é uma mulher formada” foram frases frequentes sobre a postagem. A erotização infantil transformou-a em um garota de 18 anos e o que ela ganhou com isso? Muitas curtidas. A polêmica sequência de imagens postada por Melody tem mais de 240 mil likes, mais que o dobro do alcance de fotos em que Melody parece ser o que realmente é: uma criança de 11 anos de idade, nascida em 2007.

A sexualização infantil é uma bola de neve. No caso da cantora, começou com a foto que impactou seus seguidores que ganhou a mídia. “Poder de fogo, novinha” é um comentário feito na publicação por um homem maior de idade. Ele mostra como a cantora, ao ser sexualizada por ela mesma e pelo pai, passa a ser sexualizada também pelos outros – homens que não enxergam o assédio e a pedofilia que estão cometendo. Afinal, “ela está pedindo se vestindo dessa maneira, né?”.

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Dá desespero ver alguns comentários, geralmente feitos por garotos mais velhos que Melody, sobre o corpo e a aparência da menina de 11 anos. Reprodução/Reprodução

Esses dois comentários seguintes exemplificam outro problema da sexualização infantil: o fato de meninas da mesma idade de Melody questionarem a aparência que têm. “Alguém sabe me dizer se ela colocou silicone?” e “nossa, eu também tenho 11 anos, mas cara de 8” foram questões publicadas por meninas menores de idade, que visivelmente se comparam com a cantora. Por que meus pais não deixam eu me vestir dessa forma? Por que meu seio não está igual ao de Melody? “A menina fica muito vulnerável. Esse cenário contínuo das redes sociais na mão do adolescente gera uma ansiedade muito forte. Nem crianças nem adolescentes têm um Sistema Nervoso pronto para lidar com isso”, preocupa-se a Janaína Brizante, Diretora de Consumer Neuroscience da Nielsen Brasil.

A sexualização infantil contribui para a cultura do estupro e incentiva jovens a se compararem ainda mais umas com as outras, pressionando-as e traumatizando-as. Mas existe um problema que é o ponto de partida para todas as outras problematizações: o desaparecimentos da infância. Se aos 11 anos uma pessoa não está mentalmente pronta para usar as redes sociais, como garante Janaína Brizante, será que tem quórum suficiente para cantar coisas como “garoto, você pode até tentar, mas garanto que nenhuma melhor que eu vai arrumar” ao lado de outra garota adultificada? “Se nós queremos ter uma juventude mais saudável, precisamos cuidar da emoção”, garante Camila Cury, psicóloga e Diretora Geral da Escola da Inteligência.

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Música nova no @sbtthenoite com @bellaangeloficial , #tobemtozen

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Em novembro de 2017, nós acompanhamos o triste processo de adultificação de Millie Bobby Brown, que foi eleita uma das mulheres mais sexy do mundo por uma revista famosa. Mas e quando a adutlificação começa em casa e vem dos próprios pais, que vendem uma imagem em busca de lucro? Em 2015, Melody viralizou com seu falsete. Na época, ela tinha 8 anos. Dá para dizer que uma criança desta idade tem total responsabilidade pelos seus atos? “Não vejo nenhuma apelação(…) A MC Melody vira uma personagem(…) Em casa, ela é só minha filha(…) Vira uma brincadeira, ela não sabe o que está fazendo, mas se espelha em alguém”, disse Belinho, o pai de Melody, durante participação no programa Superpop, em 2015. Mas não estaria ele se contradizendo? Afinal, se Melody se inspira em alguém (no caso, na Anitta), quantas outras meninas de 11 anos não se inspiram em Melody e não conseguem enxerga-la como uma personagem?

A adultificação de meninas aliada à sexualização infantil é um mal que atinge a Geração Z e é intensificado pelas redes sociais. A criança não deve pular etapas de desenvolvimento e isso não deve ser estimulado por ninguém (nem pelos pais, nem pela mídia, nem pela própria criança, no caso da MC, que estimula outras garotas a serem como ela, mesmo que involuntariamente). “Não é raro vermos adultos incentivando crianças, seja com perguntas ou como forma de entretenimento, a terem comportamentos que fazem parte do mundo maduro(…) Ao pular essa etapa da vida (a infância), estamos privando que as crianças se entreguem à amizade de forma autêntica e espontânea, sendo capazes de se alimentar integralmente dessa primeira interação fora de seu círculo familiar(…) Isso acaba interferindo, inevitavelmente, no seu desenvolvimento pleno e saudável, não só psiquicamente falando, como também no âmbito emocional, físico e social”, explica texto publicado em junho de 2017 pela ORG Labedu (Laboratório de Educação). 

Algumas chamadas feitas por veículos de comunicação e o print de um vídeo postado no YouTube. Reprodução/Reprodução

Quanto dinheiro e quantos likes valem a vida de uma criança adultificada e erotizada?

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