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‘Dança das cadeiras’ sexual e o surto de mães adolescentes nas periferias

Prática acontece com frequência em bailes funk, mas não é 'brincadeirinha' e traz riscos de gravidez indesejada e ISTs.

Por Amanda Oliveira, Isabella Otto Atualizado em 30 jul 2018, 13h31 - Publicado em 29 jul 2018, 16h48

Você já ouviu falar de uma brincadeira chamada “dança das cadeiras”? É muito provável que você tenha brincado disso quando criança, em festas da escola ou na casa de amigos. Para quem não lembra, várias cadeiras são organizadas em um círculo e os participantes ficam dançando ao redor delas, no ritmo da música. Quando o som para, as pessoas precisam sentar. Quem dá o azar de ficar em pé, sai da brincadeira.

O quanto a banalização do sexo em canções estimula que o ato sexual seja tratado dessa maneira? Reprodução/Reprodução

Esta dança das cadeiras ganhou uma versão “proibidona”, como costumam dizer os jovens em bailes funk. A prática, que é encarada como uma espécie de passatempo, acontece principalmente em bairros periféricos e tem a mesma temática da dança original, só que, ao invés de sentar nas cadeiras, as meninas sentam “nos rapazes”. O mais comum é que os meninos fiquem sentados e as meninas dancem no ritmo do funk ao redor deles, geralmente de saia e sem calcinha. Quando a música acaba, a menina deve sentar e praticar relação sexual com o menino que estiver na frente dela, seja ele quem for. Depois disso, a música segue e a “brincadeira” continua com outros parceiros. De acordo com as regras, os meninos vão saindo da roda conforme ejaculam. Quem gozar por último, é o grande vencedor.

É possível dizer que, na maioria das vezes em que a “brincadeirinha” ocorre (e ela ocorre com bastante frequência em bailes funk), os adolescentes não usam preservativo. Por isso, como se relacionam com diferentes parceiros em uma mesma noite, as chances de a menina ter uma gravidez indesejada e contrair infecções sexualmente transmissíveis, como o vírus HIV (da Aids), são muito grandes. Além disso, caso a garota engravide, é bastante difícil saber quem é o pai.

Brasil é um dos países da América Latina com maior taxa de adolescentes grávidas, de acordo com recente relatório da OMS. Índices são mais altos nas periferias. iStock/Reprodução

De acordo com Gabriela Marinho, psicóloga especialista em sexualidade humana, as consequências desta prática também podem afetar o psicológico da menina. Segundo ela, os riscos são classificados como biopsicossocial. “Na maioria dos casos, percebemos mudanças de comportamento social no meio familiar e no rendimento escolar. Pois, no momento em que a adolescente deveria canalizar suas energias em atividades de aprendizagem e relações sociais, ela está sendo desviada para início precoce da vida sexual”, explica.

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Segundo Gabriela, a prática da “dança das cadeiras” também envolve saúde pública. Adolescentes têm mais probabilidade de desenvolver síndromes hipertensivas, partos prematuros, anemia, pré-eclâmpsia, desproporção feto-pélvica, restrição do crescimento fetal, além de problemas consequentes de abortos provocados pela falta de assistência adequada.

Entre as jovens de 15 a 19 anos, a probabilidade de morte relacionada à gravidez ou ao parto é duas vezes maior do que nas mulheres com mais de 20 anos. Entre jovens menores de 15 anos, esse risco aumenta em cinco vezes. “Para o início de uma vida sexual saudável, é necessário que o indivíduo esteja emocionalmente preparado, para que o sexo seja sinônimo de prazer e algo positivo. Ter relações sexuais inconsequentes e por ‘brincadeira’ acaba banalizando o ato e frustrando algumas meninas que nutrem expectativas para esse momento tão importante”, Gabriela esclarece.

Casos de HIV aumentam entre jovens porque eles não estão usando preservativo. 6 em cada 10 adolescentes não usaram camisinha na última relação sexual, segundo levantamento do Ministério da Saúde. iStock/mrtom-uk/Reprodução

Pode parecer loucura, mas a “dança das cadeiras” sexual não é novidade – apesar de pouco se falar sobre isso. Em 2001, a Secretaria Municipal da Saúde do Rio de Janeiro divulgou o caso de uma menina de 13 anos que engravidou e contraiu o vírus HIV através dessa prática em um baile funk carioca. Foi através desse e de outros casos relatados às assistentes sociais que a “brincadeira” chegou ao conhecimento da Prefeitura.

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Para Marilyn Jane, estudante de psicologia e influenciadora digital, a “dança das cadeiras” acontece com mais frequência em periferias pelo uso indiscriminado de bebidas alcoólicas e drogas, já que estar com a consciência alterada é o suficiente para fazer com que os adolescentes não pensem nas consequências de seus atos. “Geralmente, jovens também têm uma curiosidade e vontade de experimentação muito grandes. E muitos deles acham que coisas ruins nunca vão acontecer com eles”, diz. Já Gabriela Marinho acredita que se trata de uma questão social e cultural. “Pessoas inseridas no contexto da periferia e bailes funk são constantemente expostas a letras de músicas relacionadas a sexo e exposição do corpo”, opina.

A preocupação vai além quando se lembra de que os casos de HIV estão aumentando porque os jovens não estão usando preservativo. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 2017 mostra que 9 a cada 10 adolescentes de 15 a 19 anos não sabem que a camisinha é o método mais eficaz contra ISTs. Esse cenário mostra que é preciso fortalecer as campanhas governamentais e estimular o diálogo dentro de casa. A “dança das cadeiras” sexual torna-se uma bola de neve quando paramos para pensar que essa menina que engravidou precocemente e em um ambiente cheio de riscos para a saúde deu à luz uma filha que tem grandes chances de viver a mesma realidade da mãe.

Casos de sífilis, gonorreia e clamídia também aumentaram entre adolescentes nos últimos anos. iStock/Dr_Microbe/Reprodução

Para solucionar o problema de forma preventiva e não repressiva, é muito importante dar apoio aos adolescentes que sofreram as consequências da “dança das cadeiras proibidona” e alertá-los dos perigos que o sexo tratado como “brincadeira” e sem proteção traz. É importante também que não julguemos quem pratica tal ato, pois trata-se de uma realidade diferente da sua, menina de classe média-alta. A realidade nas periferias do país, principalmente naquelas de cidades mais afastadas, é muito cruel e destoante.

A “dança das cadeiras” sexual é uma realidade, um caso de saúde pública e você precisa saber de tudo isso. Proteja-se, garota, no baile funk, na balada da zona sul, em qualquer lugar e situação.

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