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Como os YouTubers de educação podem fazer a diferença em meio à crise

Conversamos com criadores de conteúdo como a Débora Aladim, que recentemente lançou a preço popular o curso online "Estudar é Resistir".

Por Gabriela Junqueira Atualizado em 7 jun 2020, 10h10 - Publicado em 7 jun 2020, 10h10
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CAPRICHO/Divulgação

No último dia 20, o Ministério da Educação anunciou o adiamento do Enem 2020, após uma longa campanha realizada por entidades estudantis e alunos de todo o país. Na última sexta, 5, foi a vez do MEC informar que não sabem dizer ainda nem se terá Enem em 2021, por falta de verba. Conversamos com criadores de conteúdo de canais voltados para a educação e educadoras para entender o papel deles diante da enorme crise educacional que o Brasil está enfrentando.

Para a jornalista e YouTuber Nilce Moretto, do canal Coisas de Nerd, que tem mais de 10 milhões de inscritos, o adiamento do Enem não deveria ter precisado de uma comoção da sociedade. “Deveria ter partido do próprio governo, deveria ter sido uma das ações do planejamento do Estado para enfrentar a crise da COVID-19. Nos outros países foi assim, não houve uma demanda da população”, pontuou.

Débora Aladim, YouTuber de educação e estudante de história, acredita que, neste momento, é importante que os criadores de conteúdo se unam, continuem produzindo aulas e estejam presentes motivando os alunos. Recentemente, a futura historiadora lançou o curso online “Estudar é Resistir”, a preço popular, para ajudar os estudantes no EAD.

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Débora Aladim, YouTuber de educação e estudante de história @dedaaladim/Instagram

“Acho que o mais importante é continuar produzindo material de estudo e continuar defendendo a causa dos estudantes“, disse. Para Aladim, dona de um canal com quase 3 milhões de inscritos, o adiamento do exame nacional foi uma conquista que “mostrou o poder dos estudantes, e foi também um ato simbólico do governo de mostrar que se importa com os milhões de estudantes que vão fazer Enem”.

Nilce, que mora no Canadá, concorda com Débora que a conquista foi totalmente dos alunos brasileiros, mas que o governo cedeu por uma questão de pressão popular, talvez nem tanto por se preocupar com os futuros candidatos. “Os estudantes tiveram que brigar com o governo para conseguir esse direito, o que é inacreditável“, lamenta.

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Para Roberta Bento e Taís Bento, educadoras e fundadoras do SOS Educação, seria possível aproveitar medidas adotadas em outros países, que começaram a enfrentar a pandemia antes de nós, e adotá-las no Brasil. Entre os exemplos está a “parceria com os Correios, para que alunos de regiões rurais em que a internet seja realmente inacessível possam receber material impresso para estudar, acordos com empresas operadoras de telefonia, para fornecimento de planos pré-pagos de internet subsidiados pelo governo, e parceria com emissoras de TV regionais, para transmissão de aulas e programas educativos“, explicam.

Ana Paula Dibbern, professora de história, representante do curso online “Se Liga!” e do Se Liga Nessa História, acredita que a discussão sobre o cenário atual da educação deve ir além do adiamento do Enem. “A melhor forma de melhorar as condições de competição entre os participantes do Enem seria oferecer acesso à internet a todos os participantes”, explica a educadora, que ainda acrescenta: “Há muitas empresas fazendo doações neste momento e uma possibilidade seria o governo negociar com as operadoras de telefonia um pacote de auxílio aos estudantes mais carentes, para que consigam acessar a internet e comprar equipamentos. Além disso, o governo poderia oferecer gratuitamente cursos preparatórios online através de parcerias com instituições de ensino“.

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O canal “Se Liga Nessa História” tem conteúdos fáceis e apresentados de uma maneira leve sobre Linguagens, Humanas e Redação Se Liga Nessa História/Divulgação

Outra opção apontada por Ana Paula seria usar a televisão que, segundo uma pesquisa realizada em 2017 pelo IBGE, está presente em 97% dos municípios brasileiros, para transmitir um cursinho preparatório. “Já há experiências parecidas com essa, como o Telecurso 2000 e o Programa Hora do Enem. A ideia seria ampliar iniciativas como essas”, diz a educadora, que acredita que esses projetos poderiam ser mantidos após o fim da pandemia para ajudar os estudantes mais carentes.

O Brasil é o 7º país mais desigual do mundo, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano realizado pelo Programa das Nações Unidas de 2019. Para entender como a desigualdade cria abismos entre estudantes, principalmente em momentos de crise, é preciso lembrar: mais de 6,6 de estudantes não possuem acesso à internet no Brasil, segundo levantamento exclusivo do jornal O GLOBO.

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Nilce Moretto e Leon Martins, do “Coisa de Nerd” Pedro Amora/Divulgação

Para Nilce, esse número pode ser ainda maior se considerarmos as pessoas que têm uma internet precária, aquelas que não conseguirão mais pagar pelo acesso durante a pandemia de coronavírus e ainda os estudantes que precisam dividir a internet e computador com outras pessoas da família. “A gente percebeu que parece que o governo não sabe quem é o brasileiro, não tem esses números, não têm acesso a um censo demográfico que mostre o tanto que nossa população é carente e o quanto esses recursos estão longe do acesso da maioria das pessoas”, opina. De acordo com Ana Paula, a desigualdade, que já era enorme, pode aumentar: “Agora, foi tirado o pouco que restava a quem tinha menos condições, que era a educação pública presencial“.

Sobre o Enem Digital, que será realizado pela 1ª vez este ano, Ana Paula argumenta que a discussão sobre a adoção ou não do modelo é antiga. Por um lado, a versão digital traz benefícios, como um esquema logístico de aplicação mais simples e mais barato, além da possibilidade de, eventualmente, o exame ser realizado mais vezes por ano. Entretanto, levando em conta a desigualdade social e econômica do país, e que alguns alunos estarão mais familiarizados com a tecnologia que outros, a prova digital apenas tornaria o cenário mais desigual. “Isso ocorre porque, quando você faz uma prova, você não avalia apenas a proficiência do aluno no conteúdo cobrado nas questões. Você acaba avaliando, também aspectos como a velocidade de leitura, a capacidade de concentração, a capacidade de se manter tranquilo, entre outras coisas. Caso o exame seja digital, você passa a medir, além do conhecimento do conteúdo, o nível de domínio do uso de computadores”, explica Ana Paula.

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Ana Paula e Nilce acreditam que será possível responder quando o Enem deve acontecer assim que pandemia for controlada ou existir uma ideia de quanto tempo ela irá durar. Até lá, qualquer data ou previsão é ilusória. “Estamos entrando em um momento muito grave e severo, e eu acredito que o Enem deveria ser discutido depois que esse momento de crise fosse superado”, reforça Nilce.

Roberta Bento e Taís Bento, educadoras e fundadoras do “SOS Educação” @amandagaspar.fotografia/Divulgação

As educadoras Roberta e Taís garantem que o Enem deve ocorrer “somente depois que este ano letivo tiver sido completado por todos os alunos do 3º ano do Ensino Médio, o que pode não acontecer tão cedo”. “Como muitas faculdades federais e estaduais estão com as aulas suspensas, existe a possibilidade de que este ano letivo se estenda por mais alguns meses”, esclarece Ana Paula. Ou seja, se o ano letivo de 2020 terminar em abril ou maio do próximo ano, o ano letivo de 2021 seria iniciado apenas em junho. “Neste caso, o Enem poderia ser realizado em abril do ano que vem, mas tudo dependerá da pandemia e de quando será seguro retomar as aulas nas universidades e realizar o exame nacional do Ensino Médio”, concluiu.

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