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Como o MEC foi partidário, antipatriota e quis bitolar os estudantes

Ministério da Educação, que pediu para as escolas filmarem os alunos cantando o Hino Nacional, impôs algo que feriu nossos direitos individuais.

Por Amanda Oliveira, Isabella Otto Atualizado em 27 fev 2019, 11h22 - Publicado em 27 fev 2019, 11h00

Cantar o Hino Nacional do Brasil pode ser uma atividade normal para crianças e adolescentes nas escolas, nem que seja uma vez por semana ou por mês. Você, provavelmente, já deve ter feito isso. Talvez em uma data especial? No Dia da Bandeira? Mas será que essa atividade seria tão natural quanto a luz do dia se ela se tornasse obrigatória? E se, junto com a imposição, o Governo exigisse que os alunos lessem um slogan que faz referência a um partido político após a proclamação do hino?

NurPhoto/Getty Images

Na última segunda-feira, 25, o MEC (Ministério da Educação) enviou um e-mail para todas as escolas brasileiras pedindo que os alunos fossem filmados enquanto cantam o Hino Nacional Brasileiro, e que depois o vídeo fosse enviado ao Governo. Além disso, o pedido, assinado pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez, também sugere que uma carta escrita por ele seja lida para os jovens. Carta que, inclusive, é finalizada com o slogan usado na campanha de Jair Bolsonaro (PSL) durante as eleições. “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de você, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, diz a carta. A repercussão, é claro, foi majoritariamente negativa. Além de contraditória, já que a campanha presidencial de Bolsonaro foi escancaradamente a favor do programa “Escola Sem Partido”, a exigência impõe um nacionalismo tóxico e quase robótico. 

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) afirmou que a ação fere a autonomia dos colégios. “O ambiente escolar deve estar imune a qualquer tipo de ingerência político-partidária”, disse. Após a resposta negativa, o ministro da educação reconheceu o erro de ter usado o slogan na carta e reenviou uma outra versão, dessa vez sem a parte do “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

Gilmar/Reprodução

Uma das principais razões da revolta gerada pela exigência é que um órgão público fez um pedido fora da lei. De acordo com o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que defende a preservação da imagem do menor, filmar crianças sem autorização do responsável é ilegal – e essa autorização deve ser feita de maneira formal, com documento assinado na escola. Já o artigo 37 da Constituição Federal veta a utilização de publicidade e atos de governo veiculados a nomes de governantes. Ou seja, é necessário desassociar o poder público aos slogans de campanha. E, no caso em questão, como o slogan utilizado também faz uso de caráter religioso, exigi-los nas escolas fere a liberdade religiosa de cada um. Afinal, o Estado, em teoria, é laico e ninguém é obrigado a seguir uma religião imposta por terceiros, certo?

No Twitter, a deputada federal e ativista pela educação Tabata Amaral se manifestou contra a atitude do ministro. “O que os alunos precisam não é de uma doutrina, não é de um partido nas escolas. O que eles precisam é de oportunidades“, diz. A deputada também usou a hashtag #EscolaSemPartido de forma irônica, já que uma das propostas do Governo Bolsonaro é eliminar ideias políticas partidárias dos colégios. Ué?!

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Um dos pontos mais importantes na argumentação contra essa ação do Ministério da Educação é questionar por que os alunos não deveriam filmar, ao invés do Hino Nacional, o que realmente deveria ser visto pelo governo nas escolas: a falta de estrutura no ambiente, ausência de comida, salários baixos dos professores (ou até mesmo falta deles em algumas disciplinas), alunos desmotivados, bullying…? A falta de um patriotismo questionada por Vélez Rodríguez é realmente o que mais preocupa nas escolas públicas e particulares brasileiras?

Em evento oficial na Suíça, a ministra dos Direitos Humanos Damares Alves falou que a proposta do colega é importante pois prova que as leis no Brasil são cumpridas. Além disso, ela restaura “o patriotismo com o amor ao Hino, à bandeira”, disse.

Todo brasileiro deveria ter acesso ao Hino Nacional, que é a expressão máxima de patriotismo de um país, mas o amor à bandeira só se torna possível em uma sociedade em que a pluralidade de religiões, culturas, escolhas e expressões é respeitada. A carta enviada pelo Ministério da Educação diz que devemos celebrar a educação de qualidade, mas cadê ela? Cadê os esforços para mudar essa realidade? Queremos cidadãos munidos de conhecimento para tomar suas próprias decisões ou queremos cidadãos bitolados? Uma exigência de um ministro que acaba virando meme pela total falta de noção e pelo amadorismo é algo que realmente nos faz ter orgulho de nossa bandeira?

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Educação acima de tudo, depois a gente volta a conversar. 

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