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Casal lésbico de Malhação incomoda – mas apenas os mais velhos

A maioria dos jovens não se chocou nem se revoltou com cena de beijo entre duas meninas, mas muitos adultos acharam o fim do mundo!

Por Isabella Otto 14 jan 2018, 15h44

Em abril de 1995, o primeiro episódio de Malhação foi ao ar. A produção da Rede Globo tinha como foco principal os adolescentes, que ganharam uma série nacional para acompanhar. Por muito anos, as várias temporadas do programa debateram assuntos importantes e do interesse do público, como AIDS, gravidez na adolescência, primeira transa, feminismo, homossexualidade. Contudo, em 22 anos de história, essa é a primeira vez que rola um beijo entre duas meninas em Malhação. A cena icônica entre Lica (Manoela Aliperti) e Samantha (Giovanna Grigio) foi transmitida no dia 2 de janeiro e a internet foi à loucura! É fato que foi só um beijo entre duas pessoas, e ele deveria ser tratado com mais naturalidade. Mas foi o primeiro beijo entre duas meninas em quase 23 anos! Um peso histórico e representativo, definitivamente, ele tem.

Reprodução/Reprodução

O problema é que, mais uma vez, centenas de pessoas se manifestaram de forma homofóbica nas redes sociais: nas fotos oficiais publicadas pela Rede Globo, nos compartilhamentos de amigos e familiares, no Twitter. É claro que o preconceito está presente tanto em jovens quanto em pessoas mais velhas, mas os adultos foram os que mais criticaram a série. Em sua maioria, pais. A principal preocupação deles é que suas filhas se tornem lésbicas por incentivo das personagens – como se ser lésbica fosse algo errado ou ruim. A CAPRICHO, que conversa diretamente com adolescentes e, indiretamente, com seus pais e responsáveis, entrou em contato com a psicóloga Fabíola Luciano, Especialista em Terapia Cognitiva Comportamental pela USP e colaboradora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, para esclarecer algumas coisas. “A exposição a programas de entretenimento que apresentem como temática a homossexualidade não tem o poder de fazer com que um adolescente venha a se tornar homossexual“, afirma.

Esses pais, na verdade, usam a proteção como camuflagem para o preconceito, que pode ser cultural ou até mesmo religioso. Daniela Navajas, da Galera CAPRICHO, conta que sua família é bem conversadora, mas está melhorando com o tempo. Por outro lado, Aniké Pellegrini, também da Galera, conta que sua família é mente aberta e livre de preconceitos.

 

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Apesar de a maioria dos comentários negativos sobre o casal lésbico vir de pessoas mais velhas, muitos jovens também se manifestaram preconceituosamente na internet. Mais uma vez, as integrantes da Galera CAPRICHO opinam. “Minha turma da escola já foi muito preconceituosa, principalmente os meninos. Acho que era um jeito de eles provarem sua masculinidade“, conta Barbara Canavês. A Isabella Vieira e a Bebel Paixão acham muito importante que assuntos do tipo sejam discutidos. “Tem muita gente que vê sua sexualidade como um ponto de interrogação e a série pode ajudar”, opina Isa. A psicóloga Fabíola concorda: “Somente o diálogo e a informação podem diminuir essa lacuna geracional entre avós, pais e filhos”.

A especialista ainda questiona o fato de muitas pessoas colocarem a culpa no seriado e lembra que a homossexualidade existe desde os primórdios da humanidade, quando ainda nem existiam veículos como a televisão. “Uma novela não é capaz de mudar a condição sexual de ninguém. Isso porque a sexualidade não é algo que surge baseado em qualquer influência externa, mas na experiência pessoal e intransferível de cada um“, garante.

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Isso não significa que as adolescentes não sintam curiosidade de experimentar ao acompanharem histórias como a de Lica e Samantha. A adolescência é um período de descobertas, em que os hormônios estão à flor da pela. Então, pode acontecer. E pode acontecer com mais frequência em famílias cujos pais são extremamente conservadores. Uma teoria do neurologista Sigmund Freud diz que, basicamente, quanto mais amarras você coloca nos filhos, mais eles podem querer quebrá-las. Se você diz para a sua filha que beijar outras meninas é errado, a proíbe de ver Malhação e prega sermões homofóbicos, mais pode despertar nela o interesse de fazer justamente o que você diz que ela não pode. Pelo menos, é o que Freud acreditava. Fabíola Luciano diz que isso é possível, mas que não pode ser considerado um padrão. “Neste caso, a sexualidade é mais uma forma de expressão que, com o tempo, tende a ser não sustentável, pois não tem razões legítimas” explica. A especialista ainda dá a dica: “Consulte seus valores de verdade. Se você estivesse sozinho, sem ninguém te vendo, você agiria assim?”.

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A homossexualidade, assim como qualquer outra questão de sexualidade, como identidade de gênero, não é algo que você “pega” de outras pessoas ou de um programa de TV. Ela também não é uma modinha, como muitas pessoas mais velhas costumam dizer ao ver um casal gay se beijando em horário nobre, por exemplo. Se hoje a homofobia ainda é tão presente em nossa sociedade, e faz tantas vítimas (algumas, inclusive, fatais), há alguns anos era ainda pior. Não se via beijos entre pessoas do mesmo sexo na televisão ou nas ruas, porque isso era um comportamento reprimido. Hoje, ainda bem, as coisas evoluíram muito, e é exatamente por isso que essas pessoas mais velhas, vindas de outra geração, têm a sensação de que o comportamento virou “moda”.

O que está acontecendo entre Lica e Samantha em Malhação não é uma doença transmissível ou uma roupa que você veste por um tempo por ser tendência. O que está acontecendo entre elas é amor – não uma “vergonha”, um “lixo” ou um “desrespeito”. E é por isso que é importantíssimo que esse assunto seja debatido na série que sua filha assiste ou no site que ela acompanha. O incômodo deveria surgir se isso não estivesse acontecendo: “Mais funcional que reprimir ou tentar segurar demais os filhos é estar próximo o suficiente para perceber as necessidades emocionais deles e auxiliá-los na construção de uma boa autoestima”, aconselha a Dra. Fabíola, independentemente do credo, da etnia, da identidade de gênero ou da orientação sexual.

 

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Divulgação/CAPRICHO
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