Continua após publicidade

Campeã de skate ganha três vezes menos que campeão em torneio

Em circuito pré-olímpico, Yndiara Asp ganhou um cheque de R$ 5 mil pelo primeiro lugar. Pedro Barros, que também ficou no topo do pódio, ganhou R$ 17 mil.

Por Isabella Otto 30 jan 2018, 16h04
Promoção CAPRICHO Volta às Aulas 2018
Divulgação/CAPRICHO

A pergunta que não quer calar é: por quê? No último domingo, 28, aconteceu a final do Oi Park Jam (antigo Oi Bowl Jam), uma das mais relevantes competições internacionais de skate. Neste ano, o evento é ainda mais importante, visto que, em 2020, a modalidade estreará nas Olimpíadas de Tóquio e, pela primeira vez, mulheres puderam competir em uma categoria feminina, até então inexistente no circuito.

iStock/lzf/Reprodução

Uma conquista e tanto, é verdade, mas ela foi totalmente ofuscada por um problema antigo: mulheres ganhando menos que homens. Yndiara Asp, vencedora da categoria feminina, ganhou um cheque de R$ 5 mil. Pedro Barros, vencedor da categoria masculina, ganhou um de R$ 17 mil. O cara ganhou três vezes mais que a menina. Em empresas, mulheres que ocupam o mesmo cargo que homens ganham, geralmente, 30% menos. Parece que não há diferença entre a mesa de escritório e o bowl – mas há entre o merecimento de homens e mulheres.

Thais Gazarra, skatista e ex-integrante da Galera CAPRICHO, contou que as competidoras nunca ganham o mesmo que os competidores, mesmo que ocupem o mesmo lugar no pódio: “eu, pessoalmente, acredito que, nessa ocasião (no circuito Oi Park Jam), já deveríamos ter o direito de receber de forma justa, inclusive por ser um evento pré-olímpico. Mas é importante mencionar também que as mulheres que competiram aceitaram participar do evento com essa diferença de premiação”, destaca a atleta. Mas existe outra opção para as mulheres skatistas que, até ontem, não tinham espaço em competições e precisavam dar a cara à tapa e concorrer com meninos?

Continua após a publicidade

Em sua página oficial do Facebook, Karen Jonz desabafou justamente sobre isso: “já fui barrada em competições masculinas porque não entendiam como é que uma menina poderia querer competir contra aqueles caras. Mas eu queria. E a única alternativa que eu tinha era me meter nessas competições(…) No entanto, esse esforço – que não foi só meu, mas de muita gente que eu nem poderia enumerar aqui – acabou trazendo para o skate feminino, aos poucos, a relevância que ele merece(…) Embora a gente já tenha conseguido avançar bastante na nossa luta, o espaço que nos é dado na mídia ainda é menor, sem falar na nossa participação nas competições – quando ela existe – que é sempre uma incerteza. É esse ecossistema de desigualdade que faz com que muita gente do nosso meio ache que ‘tudo bem’ uma premiação pagar três vezes mais para o campeão masculino(…) Isso só vai mudar se a gente se unir muito, oferecermos oportunidades e lutarmos juntas (e juntos, caras) para que a desigualdade deixe de ser o estado normal das coisas. Nada disso é normal, e o que nos mata é achar que o mundo é assim”.

Thais Gazarra, que encontra em Karen Jonz uma grande inspiração, garante que o barulho só está maior agora porque a competição tem grande alcance. “Só notaram essa polêmica porque o campeonato foi assistido por muitas pessoas, mas é um fato que acontece há anos nos principais eventos de skate no mundo”, afirma a atleta, que acha importante que discussões como essa estejam em pauta, pois as atletas, não só do skate brasileiro, costumam ganhar menos que os homens – e isso nem sempre é questionado ou visto como um problema. “Sempre vivemos em um ambiente muito machista, em que nos apresentavam razão para aceitar tudo que foi imposto. Agora está sendo tudo muito diferente e sinto que estamos podemos nos impor, ter voz e buscar por direitos iguais”, anima-se.

Continua após a publicidade

Na foto postada no Instagram do circuito pré-olímpico, muitas pessoas alegaram que o homem ganhou mais porque é um profissional, enquanto a menina é uma amadora. Mas será que isso realmente pode ser usado como justificativa sendo que eles não competiram entre em si e participaram da mesma modalidade, apenas em categorias diferentes? “As mulheres competiram entre elas. Elas não competiram com os homens. O prêmio de cada lugar deveria ser o mesmo para homens e mulheres. Isso é claramente uma desigualdade de gênero”, questionou a internauta Juliana Gama. A maioria dos comentários defendendo a diferença de valor dos prêmios foi feita por homens. “Os patrocinadores do evento são do evento e não dos atletas masculinos. E não tinha só amadoras na competição feminina. Ah! E foi só consciência que o filho do organizador ganhou o prêmio maior, né?”, polemizou Vitoria Freitas.

View this post on Instagram

Os campeões do @oiparkjam 🔥@pedrobarrossk8 🇧🇷 e @yndiaraasp 🇧🇷–> com o destaque do campeonato @luizfrancisco_sk8 🇧🇷e os vencedores do Best Trick Oi Longest Board @chrisrussell_mbk 🇺🇸e @coryjuneau 🇺🇸Parabéns a todos os atletas e ao público de Itajaí SC que compareceu em peso e agitou as arquibancadas do @edempraiabrava 🤘🏽🔥@digaoi_oficial #oiparkjam #oskatejunta #skateboard #skate #sk8 #olympicgames

A post shared by Oi Park Jam (@oiparkjam) on

A organização do Oi Park Jam se pronunciou usando a diferença no número de competidores entre as categorias masculina e feminina como justificativa. Para eles, como tinha mais homens participando, a competição foi mais acirrada e, por isso, os homens deviam ganhar mais. Será? “As premiações levaram em conta, portanto, a participação qualitativa e quantitativa de skatistas profissionais, que por consequência leva a um maior grau de dificuldade para se chegar às primeiras colocações(…) Estamos comprometidos com o debate sobre igualdade de gênero e vamos continuar nos esforçando para a inserção da mulher no skate em igualdade de gênero”, declararam em comunicado oficial.

O debate ainda é longo, é verdade, assim como a luta das mulheres, mas não dá para falar em igualdade ou “mimimi feminino” enquanto competições, empresas e times continuam pagando menos às mulheres e continuam tentando encontrar justificativas para não assumirem que o lance é, sim, uma questão de gênero. “O mundo não é assim. O mundo apenas está assim. Nossa luta é para que metade das pessoas que habitam desse planeta (mulheres) sintam-se tão capazes de seguirem seus sonhos quanto a outra metade (homens)!”, finalizou Karen Jonz em depoimento postados nas redes sociais.

Continua após a publicidade

E como diz a saudosa banda carioca Forfun: “que sigamos siempre adelante, caminando arriba y avante”.

Publicidade