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A vida de uma garota síria no Brasil: ‘Me chamaram de terrorista’

Conheça Hanan Daqqah, que quebra todos os estereótipos e é uma garota síria que usa short, faz ballet, estuda e vive no Brasil.

Por Da Redação Atualizado em 12 set 2016, 18h30 - Publicado em 11 set 2016, 16h36

Por Veronica Sesti

Nos últimos anos, a palavra “refugiado” se tornou mais comum no vocabulário do brasileiro e, na verdade, do mundo todo. Em 2015, a crise dos refugiados na Europa chamou a atenção dos noticiários internacionais, as imagens do menino sírio morto em uma praia da Turquia comoveram o planeta e, este ano, a equipe olímpica de refugiados foi aplaudida por todos durante as Olimpíadas Rio 2016. A palavra “refugiado”, então, se tornou mais comum. Mas o que ela significa? Refugiado é qualquer pessoa que, devido a perseguições e a violência excessiva em sua terra natal, é obrigada a deixar seu país de origem e pedir refúgio em outro.

A vida de uma garota síria no Brasil: 'Me chamaram de terrorista'

 

No Brasil, atualmente, há cerca de 9 mil refugiados de 79 nacionalidades diferentes, de acordo com a ACNUR (Agência da ONU Para Refugiados). Entretanto, os refugiados sírios são os que mais chegam ao nosso conhecimento. Isso porque há cinco anos, a guerra Síria se intensificou e se tornou tão violenta que pode ser considerada uma “pequena guerra mundial” dentro de um único país. “Mundial” porque, não apenas existe um conflito armado entre o governo autoritário e grupos rebeldes, mas também devido ao fato de que diversos países, como os EUA, a Rússia, o Irã, o Iraque, o Líbano e muitos outros se envolverem no conflito. A situação chegou a tal ponto que milhares de sírios foram (e ainda são) forçados a fugir do país em busca de segurança e paz em outros lugares, deixando para trás seus estudos, suas carreiras, suas casas, amigos e, muitas vezes, até suas famílias.

A pequena Hanan Daqqah, de 12 anos, e sua família estão entre os quase 2.300 refugiados sírios que moram no Brasil. A adolescente aceitou contar para a CAPRICHO sua breve, mas longa, trajetória de vida até o momento. Talvez você reconheça o rostinho da garota da televisão ou dos jornais. É que Hanan foi uma das pessoas escolhidas para conduzir a tocha olímpica em Brasília, representando e homenageando os mais de 60 milhões de refugiados em todo o mundo. Que responsa, não?

A vida de uma garota síria no Brasil: 'Me chamaram de terrorista'

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Tudo começou quando Hanan chegou a São Paulo, no início do ano passado, após ter vivido durante três anos em um campo de refugiados na Jordânia. A garota, que completa 13 anos em novembro, fala sobre explosões, bombas e mortes com a naturalidade de quem, infelizmente, com seus poucos anos de vida, não conhecia – até desembarcar no Brasil – outra realidade.

Na Síria, sua família era intimidada regularmente pelo governo e por grupos que controlavam sua cidade. Seu irmão Mustafá, de 16 anos, chegou até a ficar meses sem sair de casa devido a ameaças de morte. Tudo isso porque seu pai ajudava pessoas inocentes a fugirem do país. A história de Hanan Daqqah se assemelha e muito com a de Malala Yousafzai. A garotinha síria, inclusive, precisou parar de frequentar o colégio, assim como Malala, porque sua escola tinha um posicionamento contra o governo sírio. “Eles sabiam que ninguém da escola gostava do presidente, aí eles [autoridades] começaram a cortar os dedos das crianças que estudavam lá e até começaram a roubar alguns alunos”, lembra Hanan enquanto come algumas balas com a irmão Yara, de 2 aninhos.

A pequena síria ficou cinco anos sem estudar e conta que a realidade no campo de refugiados da Jordânia não foi muito diferente. “Lá tinha escola, mas a professora ficava falando no celular e passando maquiagem, ela não te ensinava. Então, você tinha que aprender sozinho”, conta a jovem. As condições de vida também eram precárias: o acesso a água potável e saneamento básico era mínimo, para não falar nulo. Hanan conta que tinha que caminhar todos os dias durante mais de dez minutos para pegar um pouco de água.

Felizmente, com a ajuda de um tio que já havia obtido refúgio no Brasil, Hanan e sua família conseguiram seus vistos humanitários e se mudaram para um pequeno apartamento na capital paulista. A garota aprendeu português nas aulas de língua da MISSÃO PAZ e ficou fluente rapidamente após começar a frequentar a quinta série em uma escola no centro de São Paulo. Hanan já se sente brasileira e desafia os estereótipos falsos sobre sua cultura.

No ocidente, muita gente se engana sobre a maneira como as meninas são criadas dentro da religião islâmica. Claro, assim como no catolicismo ou cristianismo, por exemplo, há casos extremos de pessoas que se aproveitam da má interpretação da religião para justificar a repressão das mulheres e/ou a utilização da violência contra outras pessoas. No entanto, a família da Hanan, como milhões de famílias islâmicas em todo o mundo, não faz parte desta estatística extremista e incentivam Hanan a tomar suas próprias decisões e seguir seus sonhos.

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“Conheci algumas meninas sírias aqui que chamaram umas brasileiras de p%t@, porque elas estavam usando short curtinho”, lembra Hanan, que completa: “Eu achei idiota. Nunca seria amiga dessas meninas. Para mim, cada um pode vestir o que quiser.” Mas então Hanan Daqqah não precisará usar o hijad (lenço que muitas mulheres islâmicas usam na cabeça)? Os pais da adolescente deixam essa decisão com ela: “Eles sempre deixaram claro que a escolha é minha. E eu acho lindo e elegante! Só estou esperando eu crescer mais um pouco para começar a usar”, anima-se.

A vida de uma garota síria no Brasil: 'Me chamaram de terrorista'
Hanan e suas companheiras de dança. Reprodução

No momento, entretanto, o estilo da Hanan é igual ao da maioria das brasileiras de sua idade. Mas, também, ela parece passar boa parte do tempo em colans e roupas de ginástica. A síria pratica diversos esportes, como ginástica artística e ballet. Mais do que tudo no mundo, a garota quer em se tornar uma ginasta profissional e, com apenas alguns meses de aula, já dá um show de elasticidade e coordenação.

Não foi nada complicado para Hanan se sentir em casa no Brasil: “Normalmente, as pessoas são bem legais comigo, mas há alguns dias me chamaram de terrorista e isso me deixou bastante triste,” explicou. Não é para menos! Afinal, ataques terroristas foram uma das grandes causas que levaram sua família a fugir da Síria, enquanto, simultaneamente, essa associação extremamente errada e preconceituosa entre sua nacionalidade e o terrorismo dificulta a entrada de refugiados como ela em diversos países.

Fã número um de brigadeiro, Hanan agora não se imagina mais voltando a viver na Síria. Ela, assim como toda sua família, ama o Brasil, os brasileiros e a enorme mistura que compõe nosso país. Uma mistura que acolhe diferenças culturais, que permite que uma garota síria se sinta também brasileira e à vontade de ser e usar o que quiser, seja shorts ou hijab.

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