Tombar no conto de vilão caricato na ficção é uma coisa, agora no BBB…
Por que é perigoso comprar essa narrativa de personagem no gênero "show da realidade"
De Nazaré Tedesco a Carminha, de Malévola a Cruella, de Darth Vader a Voldemort, de Coringa a Jigsaw: os vilões caricatos costumam ter um lugar especial em nossos corações. Com traços exagerados de uma personalidade grotesca, eles acabam se tornando personagens mais interessantes que os próprios mocinhos, em várias momentos da trama, o que acaba por nos fazer amar odiá-los.
Além da figura caricata, outro fator que contribui para isso é o entendimento de que o homem é bom e a sociedade o corrompe, pensamento defendido pelo filósofo social Jean-Jacques Rousseau. Por mais contestável que possa ser, repare que na maioria das vezes há uma explicação para aquele vilão ser e/ou fazer coisas ruins: a exclusão da sociedade, um trauma de infância, ele ter sido renegado pela família, ele ser motivado por uma vingança, ele querer ensinar algo, desejar um tal de bem maior, conquistar poder… Por menos nobre que seja a causa, a gente acaba meio que comprando a ideia de que, poxa, o personagem já sofreu muito ou então que não está tão errado assim em sair tocando o terror, porque o mundo é mesmo uma droga. Mais do que simplesmente entender o gatilho do vilão, acabamos nos afeiçoando a ele.
E obviamente temos consciência de que isso é problemático, mas é ficção, então tudo certo. Agora é a vez da ciência entrar em cena para explicar isso! Para o psicanalista Sigmund Freud, a personalidade humana é dividida em três partes: o id, que são os impulsos primitivos, o ego, que é a adequação desses impulsos ao ambiente em que estamos inseridos, e o superego, que é como a sociedade estipula certos valores para suprimir essas vontades mais selvagens. Resumindo, são os famosos filtros mentais. Quando se trata de vilões, esse filtro não existe. Ou seja, rola a ausência do superego. Por exemplo, no filme Coringa (2019), de Todd Phillips, o personagem, brilhantemente interpretado por Joaquin Phoenix, atinge seu nível máximo de insanidade, mata, estimula comportamentos tidos como bárbaros de cidadãos, é preso, vai parar no hospício, continua rindo de tudo isso e faz a gente terminar o filme dizendo: “Mas errado não está, né? Este mundo é mesmo cruel”. Por quê? Bem, porque, segundo Freud, a gente se conecta com o vilão porque sente ou já sentiu uma vez na vida vontade de fazer tudo o que ele faz em cena – mas, por causa do superego, entendemos que não podemos. Ou não deveríamos. Daí entra o psiquiatra Carl Jung na jogada pra provar que esse sentimento é mais comum do que imaginávamos, trazendo à tona o inconsciente coletivo.
As análises se tornam um pouco mais complexas quando o vilão pelo qual nos apaixonamos é real. Por exemplo, há casos de pessoas que se apaixonam por serial killers e até hoje não há um estudo que prove os porquês dessa atração. A mente humana é bastante complexa e há apenas teorias para entender a questão, como uma de Charles Darwin, da Psicologia Evolucionista, que diz que o mistério e o medo são cativantes, causam fascínio, para uns mais que para outros, e acabam funcionando como ímãs, seduzindo. É algo realmente que não dá para ser abordado em poucos caracteres – e nem é o foco aqui.
O caso é que o lance do vilão caricato é perigoso quando saímos do campo ficcional e entramos no real. Isso porque é muito fácil construir uma narrativa que justifique erros e atos que causam repulsa, assim como não é difícil transformar o vilão em alguém cool, porque, afinal, ele promove um baita entretenimento e diz uma ou duas coisas sensatas em sua teia tóxica, que acaba prendendo vítimas e possíveis aliados – que não necessariamente deixam de ser vítimas, como podem também vir a ser vilões.
Daí, de repente, não mais que de repente, aquele personagem, que pode ser mais ou menos construído, e que anteriormente tanto rejeitávamos, se torna amado de alguma forma. Seu discurso começa a ser ressignificado, ele ganha fãs, cresce grandão e, ah!, a gente esquece que, no fundo, ele é um vilão, porque tanta coisa acontece e ele não está sozinho, não é mesmo? Mas a gente não pode se esquecer de que a definição de vilão é “um personagem que traz consigo a representação da maldade numa narrativa geralmente ficcional” – e por mais que sejam apenas partes de um todo, reality shows são programas baseados na vida real.