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Pandemia: dá para cuidar da saúde mental sem colocar os outros em risco

Estão usando o esgotamento mental como desculpa para serem irresponsáveis durante a quarentena (sim, ainda estamos nela) e isso é inadmissível

Por Isabella Otto Atualizado em 1 out 2020, 19h10 - Publicado em 22 set 2020, 13h54
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Divulgação/CAPRICHO

Se você pensou que a quarentena no Brasil duraria 40 dias ou, pelo menos, três meses, como na maioria dos países impactados pelo coronavírus, bem-vindo a setembro! Chegamos à fase dois de testes, levando em conta que já estamos há seis meses cumprindo isolamento social. Não toda a população, é verdade. Parte daqueles privilegiados que conseguem trabalhar de casa segue praticando o distanciamento. Outros, desde o começo da pandemia no país, em março, continuam se aventurando nas ruas e nos transportes públicos para garantir seu sustento e o de outras pessoas, só que seguindo o famoso “novo normal”, usando máscaras, equipamentos de proteção contra o vírus e respeitando as medidas de segurança decretadas pela OMS – muitas delas nunca levadas à sério pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Enquanto vários continuam firmes na quarentena, que está sendo flexibilizada em diversos estados, outros, mesmo tendo o privilégio de permanecerem no conforto do lar, parecem ter se esquecido de que ainda estamos enfrentando uma pandemia: vão para bares e até baladas, se reúnem em festas com aglomerações e se esquecem das medidas de proteção – ou fingem se esquecer. Quando questionados, dizem fazer isso por causa do esgotamento, pensando na saúde mental. Realmente, o contexto da pandemia mexe demais com a cabeça das pessoas, causando estafa e piorando quadros de doenças como a depressão, mas não dá para usar a saúde mental como justificativa para tudo, especialmente se esse tudo coloca em risco a segurança e o bem-estar do próximo.

Nuthawut Somsuk/Getty Images

Discutir Setembro Amarelo nunca foi tão importante quanto em 2020, dizem os especialistas. “Há estudos sendo realizados sobre o impacto da pandemia no aumento de ansiedade, depressão, angústia e outros fatores de risco para o suicídio. Com certeza, o momento que estamos passando é delicado para a saúde mental, porém é necessário avaliar os riscos de cada ato. Ainda estamos em uma pandemia e o número diário de vítimas continua alto. O fato de várias pessoas postarem em suas redes sociais fotos em baladas, bares e lugares públicos passa a sensação de normalidade e incentiva outros a fazerem o mesmo. Há outras formas de aliviar o sofrimento e esgotamento mental não colocando as pessoas em risco. O importante é não ser imprudente na hora de tomar decisões“, analisam as gêmeas Júlia e Patrícia Fernandes, psicóloga e terapeuta ocupacional, respectivamente, criadoras de conteúdo no Instagram @universoduplo.

Todo ano, segundo dados da OMS, o mundo registra cerca de 800 mil mortes por suicídio, sendo que cada uma delas afeta em média 135 pessoas ao redor. Ou seja, por ano, 108 milhões de vidas são afetadas. No pós-pandemia, estima-se que esse número cresça por causa de questões socioeconômicas, do desemprego e do estresse social. O cenário não é nada positivo, mas pode se tornar ainda mais problemático se hoje continuarmos sendo irresponsáveis com relação às medidas simples de segurança em combate ao novo coronavírus. Definitivamente, não dá para banalizar a desculpa da saúde mental, principalmente se for para realizar atividades que ainda podem esperar um pouco mais para serem realizadas, como ir a baladas. É um respiro para aliviar a tensão causada pelo caos diário? Claro que é! Mas, convenhamos, não é um item de primeira necessidade e há escapes tão eficientes quanto e mais seguros, levando em conta o contexto pandêmico que nos cerca.

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No mês oficial de prevenção ao suicídio, é preciso resgatar alguns números científicos: a maioria dos casos de suicídio está relacionado a transtornos mentais, como depressão. As especialistas Júlia e Patrícia contam que, até o século XVI, o suicídio era uma questão mais religiosa e/ou filosófica, podendo ser condenado ou glorificado dependendo das circunstâncias. “A primeira vez em que se falou sobre suicídio relacionado à saúde mental foi no século XIX, e a partir de então muitos estudos têm sido feitos sobre o tema. Atualmente, segundo a OMS, as principais causas do suicídio são transtornos mentais, más relações familiares, abuso de álcool e drogas, e desigualdade social. A depressão possui tratamento, dessa forma, grande parte dos suicídios poderia ser evitado se diagnosticado e tratado corretamente”, afirmam.

 

Levar a depressão a sério é o grande primeiro passo a ser dado para diminuir a taxa de suicídio no mundo e no Brasil, um dos países mais racistas e LGBTfóbicos do globo. Não compactuar com a cultura da intolerância e respeitar o direito do outro existir, mesmo que essa existência vá contra ideologias que você segue, é o básico para se conviver em sociedade; e respeitar a existência do outro também é dar um respiro para a mental na pandemia sem colocar vidas de terceiros em risco. “Existe uma ideia equivocada de que, por estar na Constituição o ‘direito à liberdade de expressão’, é permitido se dizer qualquer coisa, para qualquer pessoa, em qualquer lugar. É importante lembrar que os discursos adotados nas redes sociais têm consequências fora delas, no mundo real, podendo ter impactos negativos na vida das pessoas e danos psicológicos irreversíveis, como o próprio suicídio. Uma pesquisa feita em 2017, pela Agência nova/sb, mostra que 34,2% das menções da palavra ‘suicídio’ nas redes sociais se referem a piadas ou memes, principalmente preconceituosos, contra 28,8% que demonstram conscientização. Com isso, podemos considerar que as redes sociais têm um forte impacto na vida das pessoas, principalmente pela facilidade do acesso a qualquer tipo de conteúdo/comentário, que podem ser prejudiciais, especialmente quando são relacionados a comparações excessivas que impactam na autoestima, nos sentimentos de inadequação e na discriminação às minorias (como refugiados, LGBTI, negros, etc). O suicídio é uma das principais causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos e de grupos vulneráveis, e estão aí os porquês. Ainda assim, é importante considerar que as redes sociais também podem ter muitas potencialidades e impactos positivos na vida das pessoas. Podemos usá-las ao nosso favor, compartilhando conhecimento, trocando experiências, consumindo o que nos faz bem e lembrando que nem tudo que está na internet é verdade”, posicionam-se as profissionais da saúde.

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Júlia e Patrícia ainda salientam que, ao contrário do que muitos ainda erroneamente pensam, pessoas não morrem por suicídio porque querem aparecer ou porque são fracas. Comentários do tipo, assim como aqueles que reproduzem preconceitos, só desvalidam o sofrimento alheio, intensificando sentimentos de culpa, vergonha e/ou fracasso, contribuindo assim para que a doença seja silenciada e não haja procura de ajuda profissional. “É importante salientar que a pessoa com depressão possui pensamentos negativos a respeito de si mesma, sobre o futuro e o que os outros pensam dela. Dessa forma, o sentimento de desesperança prevalece. Como acreditam que nada de bom poderá acontecer, o suicídio acaba sendo, muitas vezes, a solução para a fuga da dor“, dão o ponto de vista médico sobre o assunto.

Nadia Bormotova/Getty Images

O maior preconceito vinculado aos transtornos mentais é a falta de informação. Falar que está deprimida com uma conotação negativa ou mesmo irônica pode parecer inofensivo, mas acaba desqualificando o sofrimento daqueles que verdadeiramente são diagnosticados com depressão. “Outra coisa que ainda é comum é relacionarem a Psicologia e a Psiquiatria a pessoas ‘loucas’, termo pejorativo para quem tem transtornos mentais. Isso tudo acaba reduzindo a busca por ajuda e, consequentemente, o debate sobre a importância do autocuidado e da saúde mental“, analisam as irmãs gêmeas que, na internet, produzem um conteúdo seguro para a saúde mental de todos.

E você, que tipo de conteúdo está produzindo e incentivando com suas atitudes nas redes sociais e na vida real?

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