Jovem escreve carta para seu estuprador: “você nunca deveria ter feito isso comigo”
Leia alguns trechos da carta de 12 páginas que ela leu durante a audiência
Por Marcela Bonafé
Atualizado em 1 nov 2024, 13h28 - Publicado em 10 jun 2016, 16h10
Uma jovem de 23 anos foi estuprada em janeiro do ano passado por um ex aluno da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Ela tinha ido a uma festa com sua irmã e estava inconsciente quando o ato aconteceu. Dois outros estudantes, que estavam andando de bicicleta nos arredores, avistaram, atrás de uma caçamba de lixo, Brock Turner em cima dela. Eles conseguiram segurá-lo até que a polícia chegasse. No entanto, o caso – que está sendo julgado – não teve as consequências esperadas.
Na Califórnia, esse tipo de crime é punido com até 14 anos de detenção. O promotor pediu que Turner ficasse preso por 6 anos, mas o juiz determinou que a pena seria de apenas 6 meses porque, para ele, “a sentença de prisão teria um impacto severo sobre o jovem”. Surpreendentemente, o Departamento de Administração Penitenciária de Santa Clara anunciou hoje que, na verdade, Turner ficará por TRÊS meses na prisão.
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Durante o julgamento, a vítima leu uma carta que escreveu para o estuprador, onde ela fala sobre desde o momento em que acordou e retomou a consciência até as consequências do crime. Destacamos algumas partes marcantes.
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Ela começa a carta, que tem 12 páginas, com uma frase já bastante chocante: “Você não me conhece, mas esteve dentro de mim, e é por isso que estamos aqui hoje”. Na sequência, a jovem explica que tinha ido à festa com a irmã e bebido mais do que estava acostumada. Depois disso, ela só lembra de quando acordou, já violentada, no hospital. Foi lá que ela descobriu sobre o estupro – e teve que passar por exames e procedimentos constrangedores.
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“Depois de algumas horas disso, eles me deixaram tomar banho. Eu fiquei lá, examinando meu corpo debaixo da água e decidi, eu não quero mais meu corpo. Eu estava aterrorizada com ele, eu não sabia o que tinha estado dentro dele, se ele tinha sido contaminado, nem quem o tocou. Eu queria tirar o meu corpo como uma jaqueta e deixá-lo no hospital com todo o resto”, ela recorda.
Quando saiu do hospital, a jovem foi recebida às lágrimas por sua irmã. O namorado dela não sabia o que tinha acontecido, nem os pais. “Se contasse para eles, eu veria o medo em seus rostos, e o meu multiplicaria com isso – então eu fingi que toda a coisa não era real”, explica.
“Eu tentei tirar isso da minha cabeça, mas era tão pesado que eu não falava, não comia, não dormia, não interagia com ninguém”, ela conta sobre as semanas depois do ocorrido. A jovem só foi descobrir o que tinha acontecido quando, um dia, estava no trabalho lendo as notícias e se deparou com um artigo contando que ela tinha sido encontrada desacordada e exposta.
Ela continua: “Eu não conseguia digerir ou aceitar qualquer informação. Eu não conseguia imaginar minha família tendo que ler sobre isso online. Continuei lendo. No parágrafo seguinte, eu li algo que nunca vou perdoar; eu li que, de acordo com ele, eu gostei. Eu gostei. Novamente, não tenho palavras para descrever esse sentimento”. Na mesma noite, ela contou para os pais e pediu para que eles não lessem as notícias.
Depois de criticar a atitude de Turner, que tentou justificar e dizer que foi um mal-entendido, a jovem lamenta: “Tive que lutar por um ano inteiro para deixar claro que tinha algo errado com essa situação”. Mesmo assim, ela tinha que lidar com a possiblidade de não ganhar o caso. “Ele poderia dizer o que quisesse e ninguém poderia contestar. Eu não tinha poder, eu não tinha voz, eu estava indefesa. Minha perda de memória seria usada contra mim”, lamenta.
Como se não bastasse o sofrimento, muita gente tentava justificar o ocorrido, como acontece em vários casos de estupro: “Depois de ser assediada fisicamente, eu fui assediada com questões feitas para me atacar”. Chegaram a dizer coisas horríveis como “os fatos dela não ligam; ela está fora de si; ela é alcoólatra; ela provavelmente queria transar; eles dois estavam bêbados; ele é atleta”… Por acaso isso seria motivo para ele estuprá-la?!
Em seguida ela critica o fato como o estuprador mudou, depois de um ano, a história contada. Agora, ele afirma que ela consentiu desde dançar com ele até ir parar nua no chão. A jovem rebate, então, lembrando o fato de que ele tentou fugir quando foi visto pelos dois ciclistas. “Eu não durmo quando penso o rumo que isso poderia ter tomado se os dois caras não tivessem aparecido. O que teria acontecido comigo? É isso que você não pode responder depois de um ano”, ela questiona o réu.
Depois disso, ela passa a rebater diversos argumentos que Turner fez durante sua defesa, como “estando bêbado eu não pude fazer a melhor decisão, nem ela”. E então a jovem volta a falar de todos problemas que ele a causou. Ela tem medo de dormir com as luzes apagadas, de sair à noite, de frequentar festas. “Você não tem ideia do quanto eu tenho trabalhado para recompor partes de mim que ainda estão fracas”, ela conta.
Por fim, ela fala ao estuprador que ele ainda tem uma longa vida pela frente para reconstruir, mas que terá que assumir a responsabilidade pela própria conduta. Quanto à pena que lhe foi estabelecida, ela critica fortemente dizendo que é um insulto para ela e todas as mulheres. “O fato de que Brock era um atleta em uma universidade privada deveria ser visto como uma oportunidade de mandar uma mensagem de que assédio sexual é contra a lei independente da classe social”, destaca.
Apesar de todo o trauma, a jovem termina agradecendo. Sim, agradecendo. A todos que a ajudaram a passar por isso, aos que mandaram cartas, aos dois estudantes que a salvaram e, principalmente, a todas as garotas. “Eu estou com vocês. Nas noites em que vocês se sentirem sozinhas, estou com vocês. Quando as pessoas duvidarem, eu estou com vocês. Então nunca parem de lutar. Eu acredito em vocês“, ela enfatiza, lembrando que a culpa não é da vítima.
Nem ela nem ninguém merece passar por isso! E ainda dói saber quantas pessoas saem impunes de situações graves como essa.