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Bielo Pereira: “A minha imagem é um ato revolucionário”

A ativista é alegria, personalidade, militância e muito estilo da cabeça aos pés. Conheça mais sobre a história dela!

Por Thais Varela Atualizado em 19 jan 2021, 09h27 - Publicado em 8 ago 2020, 10h02

“Preta, gorda, periférica, intergênere e alcançando meus sonhos”. É assim que a apresentadora e podcaster Bielo Pereira se descreve em uma legenda do seu Instagram. Muito além das causas que representa, a influenciadora é uma explosão de alto astral, estilo e uma comunicadora nata, que usa da sua facilidade de falar e se aproximar das pessoas para abrir espaço para todxs que simboliza com suas lutas.

Uma das coisas que mais me ajuda a me expressar e a ser quem eu sou é o meu estilo, porque ele é a forma como eu externalizo isso. Eu sei que a minha imagem, antes mesmo de eu abrir a boca para falar sobre qualquer uma das causas que eu defendo, já é suficiente para que as pessoas questionem, para gerar dúvida e chamar atenção. Eu sei que só de eu estar em um lugar, isso já é um ato revolucionário. Os outros pensam: ‘Por que essa pessoa está aqui? Por que esse corpo está aqui?’. Então, quanto mais externalizado o meu discurso interno é através das roupas, da maquiagem, de tudo o que eu estou usando, melhor ainda, porque isso sempre será um suporte para a minha fala“, diz Bielo.

Bigênero e corpo livre

Assumir seu estilo fez parte de um processo grande de autoaceitação para Bielo. No final de 2017 e início de 2018, a apresentadora passou a se reconhecer como uma pessoa trans e a viver a liberdade de ser quem era, o que incluiu também a forma como encarava seu próprio corpo. “Desde que eu comecei realmente a me ver, como veio junto o fato de eu me assumir como trans e também com a liberdade do meu corpo, eu nunca mais deixei de usar nenhuma roupa“, comentou.

Ainda pequena, com cerca de 8 anos, Bielo já brincava com as roupas da mãe e sentia que queria usar aquelas peças todos os dias. Mas apesar de saber desde cedo, ela não conseguia assumir sua transexualidade. “Minha família era muito religiosa, então eu tinha aquela demonização desse pensamento, do que eu queria ser. Eu pensava que, caso assumisse, não teria volta, que eu teria que dar adeus ao ‘paraíso’. Então durante toda a minha vida, foi uma das coisas que eu mais reprimi em relação a minha existência“, contou. “Eu pensava: ‘Bom, pelo menos eu vou ser ‘só’ gay. Mas isso [da transexualidade] eu não posso nem cogitar, porque seria muito difícil. Com o tempo, fui me libertando e me tornando essa grande poc maravilhosa que eu sou hoje“, continuou.

Apesar da batalha interna que enfrentava sobre o que queria ser e como gostaria de viver, Bielo sempre levou a vida com muita alegria. “Quando eu realmente entendi que sofria gordofobia, abri os meus olhos também para todos os atos de racismo que eu já tinha sofrido, de homofobia… E foi aí que eu passei a olhar o meu corpo com amor e compreender verdadeiramente tudo o que eu suprimia em relação a ele, que eu suprimia sobre o meu gênero – que tem muito a ver com o meu corpo, que é um corpo intersexo. Foi quando eu percebi que eu era uma pessoa trans, que eu era uma pessoa bigênero. A partir disso veio a minha libertação, que abriu essa porta da minha vida, como se tivesse destravado uma área secreta do jogo da minha vida. Foi então que eu pensei: ‘É isso que é ser genuinamente feliz’. Porque, antes, eu acho que eu era feliz no automático“, disse.

Bielo
Cleber Assunção/CAPRICHO

A luta contra a gordofobia

Eu sempre falo que a gordofobia é a minha causa mãe, porque ela não é aceita em nenhuma das outras ‘caixinhas’. Quando a sociedade fala de pessoas LGBTQIA+, normalmente é alguém padrão. O mesmo acontece quando se fala de negros, por exemplo. O corpo gordo é o que está menos naturalizado para as pessoas e o preconceito com ele aparece a toda hora com o outro dando ‘pitacos’ na sua aparência, em como você deve viver, como você tem que ser, e sempre com a desculpa de que ‘está se preocupando com a sua saúde’, o que a gente sabe que não é bem verdade. Muitas vezes, as pessoas elogiam alguém pela magreza, por exemplo, sem nem questionarem o que está por trás dela, seja uma doença ou uma situação difícil”, explicou.

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Antes de olharem para mim e falarem: ‘Eu vou discriminá-la porque é uma pessoa preta ou vou discriminar porque é uma pessoa LGBT’, eu vou ser discriminada primeiro por ser uma pessoa gorda. E foi a partir desse aprendizado que entendi que meu corpo e a forma como eu vinha vivendo a minha vida já era uma grande militância, antes mesmo de eu saber o que era isso, antes mesmo de eu saber o que era achar uma causa, porque eu vivia com o meu corpo de uma maneira livre. Eu ia para balada, dançava a noite inteira e nunca tive problema com isso. Então, nesse momento em que eu consegui libertar de fato o meu corpo, foi quando eu entendi todas as amarras que eu me colocava para entrar nas ‘caixinhas’ que a sociedade impunha, e isso vinha desde o meu estilo, de como eu me portava, da minha transexualidade que eu reprimia mesmo sem perceber, mas que sempre esteve ali. E foi quando eu fui me libertando de tudo isso“, completou.

Para Bielo, viver seu estilo e se expressar por meio das roupas é muito importante, e a gordofobia também é uma barreira nesse aspecto da sua vida. “Ela me nega muita coisa, ainda mais quando estamos falando de moda e beleza. Esses são lugares de nos olharmos e nos sentirmos bonitas – e eu sei que eu tenho esse lugar, porque esse lugar sou eu que me dou, eu que me coloco -, mas isso não é uma realidade para a maioria das pessoas gordas. É muito difícil encontrar coisas que a gente queira vestir e que tenham a ver com o nosso estilo. Esse é um dos meus maiores problemas, ainda mais quando eu tenho um evento específico pra ir, por exemplo. Na maioria das vezes, eu preciso mandar fazer uma roupa. Ao olhar para as minhas irmãs gordas que não vão ter dinheiro, que não vão ter condição e tempo de ir a uma costureira, é ainda mais evidente o quanto isso é limitante”, refletiu.

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Trazendo a interseccionalidade para a pauta

Uma pessoa não se limita a uma característica específica, somos múltiplos e cada parte da nossa história contribui para formar nossa personalidade. E é exatamente isso que Bielo quer mostrar quando fala sobre interseccionalidade e explica a importância de abordá-la independentemente da causa que está sendo falada. “Hoje em dia se conversa muito sobre isso, mas eu já trazia esse discurso desde 2018. Muitas vezes, as pessoas não entendiam quando eu dizia: ‘Não tem como eu dar uma palestra de gordofobia e não falar sobre eu ser uma pessoa preta e trans‘. Elas respondiam que queriam abordar apenas o corpo, que o foco não eram as outras pautas. Mas não é assim que funciona, tudo isso me atravessa e não existe separar quem eu sou“, falou.

E completou: “Desde sempre, evidenciar isso se tornou o meu foco. Porque quando vamos falar de pirâmide social, se eu vivesse da forma como a sociedade fala que eu deveria viver, ia ser uma ferrada, né? Eu deveria ficar em casa sentada no cantinho do quarto chorando. Porque uma pessoa gorda, preta, trans e periférica, o que a sociedade reserva pra mim? Nada. Então era exatamente contra isso que eu tinha que lutar, e eu sempre tive que trazer tudo comigo, porque eu nunca consegui ser uma coisa só, porque eu não sou uma coisa só. Às vezes, as pessoas ficam meio perdidas, não entendem sobre o que a gente está falando. Mas podemos ser preta e gay, preta e trans, e o que quer que seja.”

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Moda, beleza e expressão

Cores, texturas, decotes, estampas e ousadia fazem parte do visual de Bielo. “Para mim, moda e beleza têm uma importância muito grande, porque são os meios que me ajudam a externalizar o que eu tenho dentro para fora. Eu acho que moda é, sim, política. Acredito que a gente consegue passar uma mensagem muito forte por meio da maneira como nos vestimos e nos pintamos. É como se pintar para guerra, a gente vê isso em várias culturas desde os primórdios. A forma como nos apresentamos é importante, porque diz muito sobre nós, sobre como queremos ser encarados e respeitados. Para mim, ela é fundamental para compor o meu diálogo, a minha fala e qualquer uma das militâncias que eu represento“, afirmou.

Com palavras doces e conselhos certeiros, Bielo deixou a sua dica para o caminho da autoaceitação e do amor próprio. “A primeira coisa é se amar genuinamente. Como fazer isso? Se olhe no espelho com os seus próprios olhos. Não é pensar em se arrumar para sair porque os outros vão te ver, é se arrumar para sair pensando em como você quer se ver, em como você quer estar. E é a partir disso que a gente vai encontrando nosso próprio estilo. Nós somos ensinados a estar sempre bem para os olhos dos outros, essa que é a diferença. E tem uma coisa que é muito poderosa na moda quando encontramos o nosso próprio estilo: começamos a nos sentir bem em todas as situações. É claro que isso não acontece de uma hora para a outra. Mas fica tranquila que isso vem e, quando chegar, ninguém mais te segura“. 

Inspiradora, não é mesmo?

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